Ninguém precisa me ouvir. Ninguém precisa me seguir. Ninguém
precisa me ler. Não sou exemplo direto, ou indireto para ninguém. Tento apenas ser
um ousado aprendiz, revoltado pelo que não fiz, pelo que não faço, e pelo que não
consigo transformar, horas rebelde, horas ousado, mas a maior parte do tempo um
infeliz omisso, mais um caso de descaso entre todos os casos que se omitem. Tento
ser um leitor contumaz da realidade que me cerca, mas não por isto sou
diferente, nem melhor e nem pior, sou assim um qualquer, não mais que qualquer
um, mas diferente exatamente pela simetria não regular do quanto busco ser,
sendo muitas vezes muito menos do que deveria, sem deixar de em outras inúmeras
vezes me omitir, quando a revolta deveria, ela mesmo, me provocar e me
transformar em mais um elo de alavancagem da tão necessária transformação,
transformação esta que deve primeiro passar por mim, para que possa pelo menos
incomodar aos que se encontram em seu estado de conforto, pelo que a sociedade
lhes serve de sustentáculo, e de letargia pela falta de vontade de transformar.
Ninguém precisa me ouvir, ler, ou sequer me perceber,
bastaria que percebessem a dura realidade que a sociedade que sustentamos
destina a uma parte considerável da população, bastaria que ouvissem o clamor
de abandono que crianças em silêncio nos gritam mudas de si mesmos, sem amor
próprio, sem destino humano para elas mesmas. Bastaria que lessem o livro
aberto da realidade, não a realizando apenas como uma leitura preconceituosa,
dogmática, ou distorcida do que esta mesma realidade nos apresenta. Bastaria
que lêssemos o livro da vida não apenas na superficialidade dos fenômenos, ou
na busca daquilo que ajuda a sustentar nossas crenças e nossos interesses,
nossos desejos e vontades individualistas, vaidosas e arrogantes. Bastaria que
buscássemos, com certo grau de ceticismo necessário para aprofundar e esmiuçar
esta leitura, uma leitura que saindo da superfície das aparências, cada vez
mais invadisse a profundeza turbulenta e complexa, onde as engrenagens e as
reações não intuitivas, e não perceptivas por princípio, realmente ocorrem e
geram a aparência dos fenômenos que percebemos.
Não sou nada frente à realidade imanente do presente
espaço-temporal que nos permite temporariamente existir. Não creio em
autoridades do saber, não creio em revelações, não creio existirem sábios
completos ou perfeitos neste universo no qual realizamos nosso viver, horas
consciente, horas inconsciente, mas imanente e emergente de uma complexidade
neuro-hormonal, bioquímica, e física em sua essência reducionista, desta forma
não imagino que alguém deva ler meus textos, ouvir minha distorcida voz, ou
perceber meus atos como fonte de qualquer saber. Se conseguisse pelo menos
provocar alguma reação de repensar nossos conceitos, já ficaria imensamente
feliz, mesmo que ao final nada mude em cada um de nós. No fundo entendo que
derivado de toda e qualquer análise séria, crítica, lógica, racional,
multidisciplinar, e aberta ao novo ou ao diferente, sempre algo muda em nós,
nem que seja alguma maior humildade pela percepção do quanto podemos estar
errados, inclusive eu.
Ninguém precisa me ouvir, mas eu vou continuar falando, em
meus atos, em meus textos, e também em voz, gestos e olhares.
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